DEC.LEI Nº344/97

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Escrever é poder amar-te



sábado, 31 de maio de 2008

ANIMAL

A mulher fugiu de perto de si, escapou-se-lhe num ápice de desatenção, correu de quatro galgando estradas e levantando pó, uivava, chamava o resto para se lhe juntar ou para a acudir na matilha que de baba pinga a defesa, presas exibidas no ataque se tentar recuperar erecta a mulher que partiu de dentro de si.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

SE UM DIA...

Diz-me que te lembrarás de mim depois de eu ir, mesmo que seja só na partida da separação de nós dois, diz-me que pensarás em mim de vez em quando mesmo que o faças só porque a melodia que toca no rádio era a que eu cantarolava, diz-me que te lembrarás de mim quando escutares alguém chamar um nome igual ao meu e até procurarás saber se serei mesmo eu, diz-me que te lembrarás de mim no cheiro da hortelã-pimenta, era esse o meu hálito lembras? Ou então não digas nada, não lembres nada, fiquemos os dois como somos agora, a segregar todos os pormenores um do outro como se algum dia precisássemos de dizer, anda diz-me que te lembras de mim se um dia eu partir.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

ETERNA(MENTE)

Rodava a aliança sem parar, um tique que ganhara havía muitos anos, solta, o dedo magro estreitava-se mais ainda na cintura do ouro, não se apercebía do gesto, só o nervoso e embaraço ou a saudade e o choro contido a impelíam para a segurança de o girar como se desse corda a um relógio invisivel para que o momento passasse rápido e se dissipassem esses incómodos que lhe vestíam o semblante. A aliança estava gasta, não do movimento que lhe dava mas do polimento dos anos que a tinha à sua mercê, mais de viúva do que acasalada e nunca quisera juntar à dela a que fora dele. Talvez porque no dia que ele lha devía ter entregue não aparecera e ela ficara a eterna noiva de mão esticada a aguardar o selar da comunhão.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

RUAS (MINHAS)

Passei por ruas velhas, velhas ruas do meu passado, abri álbuns de fotografias a branco e negro e sorri ao ver-me sorrir entre pares de mãos tão maiores que as minhas. Passei por ruas muito passadas, renovadas de outros sorrisos, descobri-lhes ruídos que acordaram a minha memória, virei-me para trás, talvez me chamem. Passei por ruas calejadas de pés, cascos, sapatos e rodas, hoje ainda eu lhe acrescento os meus passos. Hei-de voltar às ruas velhas. Hei-de fazê-las novas e pequeninas como as minhas mãos, coloridas como as lembranças que me abrem caminhos no coração.

terça-feira, 27 de maio de 2008

LIVRE (ESCREVER É PODER AMAR-TE)

Pedem para saír, vir ao mundo, até sabem o meu nome, acrescentam-lhe amor, amor e eu deixo, quero, preciso que este frenesim de dar-me não se interrompa no calcar rotinado dos dias, permito-me amarrotar entre fatias de tempo só para que vivam nesta branca dimensão única em que a pecadora sou eu, simples mortal que obedece à imposição de quem me comanda e não se deixa ver se não nas linhas que escravizo entre mãos alugadas pelo sentir deles, de todos, dos que me ensinaram que escrever é poder amar-te. E sou livre, então.

domingo, 25 de maio de 2008

GOTAS

Recosta-te, deixa-me encostar em ti, no teu peito, ouvir o tambor que rufa para mim chamando-me para abraços e beijos no cabelo, apertos como teias que me agarram ao teu sentir, fiquemos assim, lá fora canta a chuva de mansinho entre os raios de sol a espreitarem de faixas cinzentas um azul magoado, não precisamos dizer nada para sabermos o que vai no mundo, suspira, é para mim.

sábado, 24 de maio de 2008

DESPREVENIDA

Fugira de dores e de mágoas enquanto o coração lhe permitiu ser cego. Um dia trocou-lhe as voltas, esperava-a numa rua sem nome e assaltou-a de esticão. De vítima passou a crente e nessa sublimação do sentir fundamentou a sua vida. Provou de tudo, desde o sol à frieza da angústia. Vejam-na pedinte, esmola-se por voltar à anterior condição, gastou na ganância da paixão o medo de não voltar a tê-lo. Porém, um só abraço e esquecerá a prece da imunidade, um beijo e a explosão ouve-se, uma palavra e endeusa-se.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

O JORNAL

Naquela tarde como de todas as vezes, sentou-se de frente para o mar e de jornal aberto. Sacudiu as páginas, notou os dedos manchados de tinta da impressão, as gordas destacando-se no colorido do negro uniforme, os anúncios. Chegou o café a confortar-lhe o dia marasmado na rotina sem sobressalto, dissolveu o açúcar como dissolvera qualquer questão da sua vida, sempre à volta até desaparecer. Voltou à leitura, entornou sangue de vítimas na estrada e silenciou os gritos dos que fugíam da guerra, contou trocos no bolso de mais uma subida de preços e fez-se juíz de sentença igual em processos cor de rosa. Constatou num conformismo aquietado que tudo estava na mesma. Foi quando o mar se alteou e ele descuidado dentro de si não se apercebeu da vaga que estalou junto a seus pés. Notou o jornal humedecido, salgado, choroso. E a partir dessa tarde como de todas as vezes, passou a sentar-se de frente para o mar, o jornal aberto. Com um rasgão ao meio para poder ver a vida a viver.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

OUTRA VEZ NÃO

Porque insistes, porque forças a minha porta depois de teres batido com ela, as costas zangado a darem a última resposta às minhas perguntas como lamentos, as mãos como lágrimas, o silêncio como a despedida e agora regressas, chamas por mim, gritas o meu nome, vai-te, não quero raspar na ferida e sangrá-la de novo, encher-me de sorrisos e promessas, porque insistes no que não queres, porque pedes o que já tiveste e na fartura te enjoas de novo, antes fome das saudades e remorso de mesa cheia que de mim outra vez não. Não.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

FOSTE EMBORA

Partiste. Esta madrugada cheguei à tua porta e já não te encontrei. Tudo cerrado, espreitei pela janela, dei a volta à casa, ainda cheirava ti, a flores secas que deixaste como um rasto, o fumo do cigarro a desenhar sonhos, o papel e a caneta ainda mornos do aperto e do roçar mas palavras já não achei nenhumas, tive de me contentar com a memória das que foste inscrevendo nas noites pelas paredes desta casa que agora deixaste, tentei apurar se alguma ainda restava a escorregar nesse tempo mas nada, e nem mesmo o luar me iluminou para te seguir as pegadas.

terça-feira, 20 de maio de 2008

O QUADRO

Não vou dizer que me surpreendi, tão pouco que nessas ruas da vida já nos tropeçámos ou passámos no olhar desconfiado de reconhecer a cara amiga, não, nunca nos encontrámos nem ouvimos a cor da voz mas conheço-te, desde sempre, fiz-te dentro de mim, assim esculpido como te esborratas nessas fotografias distorcidas que cortam a figura pela altura do coração, o rosto mediterrânico, o nariz aprumado no helenismo que sempre suspeitei, já o sabía, assim como as amarras de ferro que te escoram a liberdade e a penitência que te entrega à arte, os pratas e os vermelhos, o querer e o calar, sempre te soube dessa maneira por isso leio o teu silêncio e embebo-me dele, negro, profundo, como o quadro que fazes de ti.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

O VIDREIRO

Vinha enrolado na ponta de uma vara, muito brilhante, ovalado, um núcleo incandescente que parecía ter vida lá dentro como a barriga de uma mulher prenhe, sempre a rodar, o artesão suado de bagas transparentes que deixavam antever cores de fogo tesourava-lhe um excesso mole e pendente, surgíam os âmbares vaidosos amparados no laranja e vermelho, cingía-lhe uma cintura à força do ferro da tenaz e depois na vara soprava, soprava muito enchendo as bochechas que quanto mais se deformavam mais enchíam de beleza aquele ovo que se transformava numa ave elegante e colorida. O vidreiro chorava então, o peito rebentado no esforço da transfusão do ar à sua criação, a liberdade ao seu pássaro, a sua missão terminada. Descansa hoje a vara, o polme de embrião de vidro, o ombro e a mão queimada. Já não tem coração, gastou-o na forja de dar asas a muitas aves. Fechou os olhos quando lhe cerraram as portas do seu sonho.

domingo, 18 de maio de 2008

É A TUA VEZ

Hoje é a tua vez, conta-me uma história, inventa uma coisa qualquer por mais tonta que ela seja aos demais que eu vou ouvir-te e deixar-me guiar pelo teu verbo até onde me quiseres levar, basta que me fales do rio, do mar, da chuva e de outros oceanos que tragas dentro de ti, verte-os, molha-me das tuas palavras, leva-me ao teu mundo pelo tempo que uma fábula tem que eu vou. Mas não contes nada sobre o amor, esse silencia-o, toma-me os lábios e eu saberei todas as linhas desse livro de encantar.

sábado, 17 de maio de 2008

NUA

Qualquer dia quando menos esperares surpreendo-te, tiro a roupa, deixo-me nua em frente a ti. Até posso dançar e voltear, beliscar-te os sentidos entre véus que te atiçam o paladar e mãos que te puxam até sentir os teus joelhos nos meus, o hálito muito perto, o bafo quente do meu peito junto ao coração que te dispara e com que brinco, fujo, persigo-te na vontade de me teres e no desejo que te aumento pela corda de palavras que ato no teu pescoço e te trazem até mim, conto-te façanhas, manhas, segredos indecorosos só para te aguar, espevito a besta e peço o poeta. Um dia destes dispo-me mas de nada servirá se não me souberes ver nua na alma.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

ANTES E AGORA

Acenou-lhe. Perdera os laços, as tranças e as sardas rebeldes, ganhara seios e ancas. As mãos também, umas mãos finas de dedos delgados que exprimiam passados como borboletas na Primavera. Acenou-lhe, perdera o rubor infantil e as pestanas envergonhadas, ganhara pó de arroz e um olhar firme e rasgado que abríam trilhos na memória de tempos de carteira e bilhetes dobrados. Acenou-lhe, contou os anos sem se encontrarem, desfiaram vidas, juntaram lembranças de outros e confessaram amores de perdição no verde ladino amadurecido no reencontro. Do coração também, um coração revisitado no sabor do Outono, dourado a raiar no vermelho que isto de paixões nunca se esquece. Acenou-lhe, disse-lhe adeus, ganhara o dia, guardou segredo de voltar a ser menino outra vez.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

FALAR, FALAR

Falaram, muito e de tudo e de coisa nenhuma, ofereceram o som das palavras para abafar o do coração sempre tão perto dos lábios, pulsante no verbo escondido, é agora que te digo que te quero, é agora que te ouço dizer amo-te, ainda não, mais um pouco, um quase receio de materializar o etéreo, breve me despeço e tu não o dizes, espera, não vás já, quero dizer-te tudo o que não consigo, tenho de ir e na pressa da despedida a mão que segura as palavras desata o nó das gargantas, a pressa de te dizer que também te tenho em bem e dentro de mim, que o silêncio é o solene do que emociona, tanto, o tanto do mesmo de sempre e na próxima ainda se calam, ainda oferecem palavras que escondem o bater do coração.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O SÁBIO

Surgiu no alto da montanha, de braços abertos, redentor sem mágoas nem chagas, todo inteiro, sem punição nem mácula, soldado da natureza, ânimo, um antigo rei revelado entre o voo da águia e o som do riacho. Surgiu simples, forte, oferecendo cuidados e colhendo flores, passadas largas calcando caminho, rasgado no dar e nos olhos que enfrentam medos e fraquezas, palavras curtas e certeiras, amor como pão. Chamam-lhe sábio, eu chamo-lhe Homem.

terça-feira, 13 de maio de 2008

PODÍA TER SIDO

Estiveste tão perto, tão perto, bastava apenas que me tivesses oferecido um segundo e eu dava-te tudo, a mão, o olhar, o sabor dos beijos, um bosque imenso de emoções e de surpresas. Assim, porque não tiveste tempo só te posso mostrar o silêncio, oferecer-te recordações do que poderíamos ter tido, histórias inventadas por ti que de mim nunca ouvirás as que guardo e amortalho na boca. Não as contarei a mais ninguém, eram tuas, eras tu, cada uma feita de ti e do teu riso. Podía ter sido uma história sem final e sempre feliz, assim serão histórias novas, outras, para quem consiga chegar perto, tão perto de mim.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

O QUE DEIXO

Há em mim a minha história e também a que recebi de herança. Cada traço e cada vinco são sinais do meu tempo e do tempo dos que no amor me fizeram. Hei-de ter o mesmo sorriso e as mesmas rugas e os mesmos trejeitos e jeitos e por mais que negue hei-de fazer na repetição genética e do carácter aquilo que disse um dia nunca fazer, hei-de sorrir ao lembrar-me e hei-de beber da mesma água que em tempos rejeitei, hei-de apreciá-la e mantê-la e ainda tentar passá-la aos que vêm depois de mim que num ciclo fechado hão-de dizer o mesmo que eu e um dia também sorrirão ao recordar as minhas rugas e os meus vincos e a minha história e ao olharem o espelho encontram-se neles e na herança que lhes deixo.

domingo, 11 de maio de 2008

ESTRELAS

Sempre sonhara com as nuvens, trepá-las, tocar as estrelas, mas havíam-lhe dito que isso eram fantasias. Passou então a olhar o mar, a procurar nos cinco bicos das estrelas do mar os cinco sentidos, uma mão completa de emoções. Olhava o céu e achava-o tão parecido com o seu oceano que decidiu chamar-lhes irmãos, pois que afinal a água do mar e dos rios mais não é do que o azul ao contrário, as nuvens a espuma das ondas e se estrelas ao alto são histórias de encantar as que lhe tocam os pés cantam-lhe sons de muitas mãos que tocaram.

sábado, 10 de maio de 2008

ÁGUAS

Do rio tem a memória do ventre materno, do mar a lembrança do amor perdido nas vagas do tempo. De toda a água se faz mulher, nas lágrimas da dor batida e ainda daquela que não se vê, da que bebe na sede constante de poesia e também da da chuva que a baptiza no nome singular de ser quem é. Quer um dia perder-se nelas, retornar à inocência, devolver-se ao mar alterado e voltar a saber que das lágrimas nem sempre tudo será dor.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

O QUE SE SENTE E NÃO SE VÊ

Em frente à janela há um canavial. Alto, muito alto e verde. Tapa tudo o que se possa ver, apenas se imaginam cenas de homens dobrados colhendo da sementeira passada outros tantos suores. Em frente à janela há um assobio constante e choroso que pertence a alguém que não se vê. Longo, fino e apurado. Tapa todos os sons que se pudessem escutar, outras vozes que se calam para o ouvir e até os pássaros se penduram no canavial embalados pelo vento e pelo assobio que não se vê. Em frente à janela há um homem que sangra por dentro. Saudoso mas altivo. É maior a sua dor que todas as dos suores que chorou em sementeiras passadas e em canaviais que se deitaram de lá para cá ao rumo do vento e que embalam pássaros. Em frente à janela vê-se tudo, sente-se tudo, até a lembrança do homem que não se vê.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

NA NOITE

Há na noite esta magia de supormos que o encanto é mais brilhante e duradouro, os rostos mais bonitos e a sedução uma roupa que tomba sobre todos. Mas nas horas lentas e escorridas que alagam as paredes do meu quarto sinto dela uma solidão que me abafa como um figurino apertado espartilhando o bater do coração. A noite é mulher sózinha que busca outras mulheres para ter companhia, abraçam-se como roupas entrelaçadas que amachucam a saudade e despertam outras estrelas. Por isso o encanto, por isso a magia. Por isso as mulheres são na noite estrelas que se querem guardar no coração dos homens, iluminar-lhes o sentir, seduzir-lhes as horas em muitas eras. Magia. Ao romper do dia eles procuram por ela, incertos da sua existência, ansiosos do reencontro, comungando solidão.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

CAI O PANO

Podía arranjar um milhão de argumentos para voltar a procurar-te, a falar-te de todas as coisas que já conversámos vezes sem fim e que sempre servem de mote a sorrisos e silêncios denunciados de quanto nos queremos mas desta vez a dor grita mais e mais alto não deixando ouvir o coração. Podía até esquecer o milhão de histórias que inventei para te contar e fabricar outras, declamá-las teatralmente no dramatismo exagerado de quem gosta e não quer despedir-se mas desta vez as cortinas correm-se à mão, devagar e a sentir o peso do veludo de tudo o que se deixou para trás. Não posso ser outra personagem que não eu e tu tu próprio, este palco é a vida e o acto o último desta história que foi tão bonita.

terça-feira, 6 de maio de 2008

O PASSEIO

Quando chegarem os cavalos avisa-me, diz-me que estão prontos, ferrados, escovados e aparelhados para a montaria deste passeio na floresta encantada que também eu me preparo, levo um livro, uma capa e o rouxinol, tudo meu desde criança, não sería agora que os deixava abandonados à sorte de outros olhos, à pele de outros frios, ao sonho de terras distantes, levo-os para me recordar o caminho de regresso não vá na garupa perder-me no musgo e nos fetos destinados a outras histórias, tombar do cavalo empinado de saudade e não ter mão na rédea que curta já bastou a vida.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

(DES)VENDA-ME

Venda-me! Dedilha-me os olhos na sede de te sentir, braço longo , mão pequena, coração que ouço no eco do teu peito, onde estás, brinca comigo, desata o meu cegar na emoção da adivinha, agrada-me no sabor da maçã e no sal da paixão, brinda a este despertar de todo o corpo do amor que se faz quando as emoções se vestem para serem despidas dos pudores e nos beijos se alargam os olhos com que te vejo! Venda-me! Só para que sinta o quanto quero que me deixes nua de amarras em todas as noites e dias que o abraço é faixa maior que une a pele e a alma! Venda-me. Não deixes que veja o mundo que do mundo só sei de ti.

domingo, 4 de maio de 2008

(NÃO) ESTAR

Pior que dizeres vai-te, não te quero, é fazeres de conta que não estou, que a minha invisibilidade te incomoda como um par de sapatos por engraxar a destoar no fato de marca impecável nos seus vincos que aprumam a pose. Pior que me sorrires de boca sem o pisco do olhar é embaciares ao longe o horizonte de uma tela pendurada torta, distraída do seu efeito decorativo. Pior que me balançares a mão na tua é eu senti-la como um peixe pescado, frio, sem o ardor das guelras a lutarem por um ar que se escapa. Pior que estar sózinha e lúcida é embebedar-me neste estar de não ter espaço a ocupar pois se até o vazio o enche.

sábado, 3 de maio de 2008

A RUA

Deixa a rua ficar bréu, que importam os gatos no telhado e a guitarra a sangrar no meio de tintos e vielas, mulheres que cantam e se despem se da janela se avista a lua gorda e amarela a pingar dos uivos que me assustam beijos de lençóis de linho bordados de outras mãos que tremeram em noites idas os candeeiros de velas por todos os homens que se foram. Deixa-a quieta no negrume, envergonhada do dia e dos seios das colinas, das passadas correrías em que triste se deita cinza na calçada aparelhada de tanta dança vendida, pregão mouro de uma saudade na folha das amoreiras em que a água vem do rio e do rio vem o choro e do choro a esquina quebrada de uma rua sem morada.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

DE MIM PARA TI

De mim para ti há o espaço exacto para que o fôlego de um sacie o outro, os passos certos na música da contradança, os olhos nos olhos a encontrarem na mira do brilho o que é o espelho de se saber fazer feliz. De ti para mim não há distância, há um pleno que enche ajustado até sermos um e outro e depois um só, uma forma ovalada sem arestas, uma rima certa na palavra amor.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

UM MILHÃO

Lá ao longe o milhão, distante deste agora em que entrelaçamos como tranças estórias contadas e ouvidas na perfeição de nada se esperar e do tudo se receber se cava o maior oiro no espaço de respirar puro o verbo simples e fluido de se gostar do que se faz. Gosto de ti, gosto de ti e mesmo que o remate assim seja, como o eco repetido a novidade brilha pela reticência e pela exclamação, de todas as vezes um milhão de te gostar apenas ouvinte, reclinado nas minhas declinações, desperto ao meu contar.