DEC.LEI Nº344/97

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Escrever é poder amar-te



terça-feira, 10 de dezembro de 2013

DIA IMPERFEITO

Não sei que dia é hoje, talvez dia de outros tantos iguais a hoje que não sinto diferença de ontem e nem me lembro de me sentir assim, que a verdade é que se soubesse que hoje me iría sentir desta forma acharía que não era dia meu pois sempre senti o dia de hoje como sendo dia certo, muito certo e tenho de memória outros dias de hoje tão certos que nem meus parecem pois assisto-os como perfeitos, tão achados para mim que hoje será dia de outro, não o meu. Acaso serei eu outra, ou os outros dias de perfeito terão sido de outros? Ou então não foram meus porque outra já não era eu e daí hoje ser tão imperfeito quanto os outros que me foram achados para mim.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O COMBÓIO

A chuva a caír na cadeira de balouço e ele deitado no jornal, para lá e para cá as letras vão seguindo os trilhos de um combóio do tempo à medida que a luz esvaída lhe acaba os olhos na melodia da colher rodada na chávena solitária de café, acompanha-lhe o farrapo do leite e o arfar do cão idoso, espera os passos da vizinhança pelo corredor comprido nos gritos alegres da criança traquina quando o ponteiro subir e não antes, a chuva a caír nas dobras da leitura feita e o canário amarelo arroxeado nos relâmpagos que prolongam tempestades debica miolos de nada à mão de um ele que se baloiça para apressar a chegada do combóio.

sábado, 12 de outubro de 2013

EMBACIADO

Folhas de novo, brancas em mim e vermelhas e douradas ao olhar para aquecerem saudades, assim o frio suporta-se melhor quando o suspiro embacia janelas à tua espera ou relembra quando te esperava. Ficou-me o vicio de te telefonar mesmo sabendo que não estás, guardo o teu número junto aos vivos para me enganar, parece que me continuas próximo das mãos, da voz ouço-te, falo-te e tu respondes e até me admoestas naquele tom só teu, só teu, que agora me faz sorrir e que dantes me contrariava. Não conto a ninguém estes devaneios, guardo-os no meu peito. Quando a saudade aperta muito murmuro-os no vidro da janela à tua espera, hálitos de quem fala e espera que tu respondas, um coração que desenho, imagem que se desfaz.

sábado, 21 de setembro de 2013

EU ESCOLHO

Ainda te digo que mais do que contadas muitas há as que ouço por dentro de mim, de onde vêm não te sei dizer nem eu tas quero contar todas, não por te matar o escutar interessado ou me acabar a voz e as letras, mas porque muitas são belas mas também as de medo e tristeza correm a par. Deixa-me ser eu a escolher e deixar-te sempre de sorriso, melhor se acabar a estória do que começar um rio em ti, para tanto chego eu.

domingo, 18 de agosto de 2013

A CORTINA

Por vezes quando a noite lhe pesava nas horas e ele tardava nos minutos da espera, ela achava que a varanda o faría chegar mais rápido. Jurava sempre para si que sería a última vez que o faría, não voltaría a esperá-lo a pé, de robe, cabelos ao vento. Mas uma qualquer força que ela não segurava levava-lhe os pés descalços até à varanda e já friorenta, procurava os faróis do carro dele que a cegavam, para depois às pressas, correr e meter-se na cama a fingir que dormía descansadamente. Muitas vezes aguardava até que a madrugada despontava. Muitas vezes enrolava-se nos cortinados a passar o tempo, a cobrir-se do frio, a esconder as lágrimas, a fingir-se outra que nunca sería.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

CONTADORA DE ESTÓRIAS

Que queres que te diga, não sou sereia ou esposa de sultão, sou apenas contadora de invenções do que me vem aos dedos, do que me solta na ponta da lingua enquanto a rapidez da memória me permite sussurrar em pingos de azul-china o desenho do verbo. Ele há dias em que as estóras são tantas que os gritos me abafam as paredes e as paredes me derrubam o querer e eu sem querer, ao invés de as escrever apenas me limito a escutar.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

7 LINHAS

Espera por mim esta noite e não durmas já, dá-me a tua mão, as tuas costas, as tuas pernas, deixa-me embrulhar no teu corpo e aquecer os meus momentos até os olhos, preguiçosos do dia claro atingirem o que lava o quarto pelas paredes lentas, descer para cerrar o escuro guardado como uma caixa de segredos que recolhe o tesouro e juntos, sonharmos o mesmo sonho.

domingo, 11 de agosto de 2013

A MULHER SEM CÃO E SEM GATO

Há muito tempo contei aqui a história da mulher que tinha um cão e um gato e andava pelas ruas de Lisboa. A mulher ainda anda pelas ruas de Lisboa mas já não tem o cão e o gato também não. A mulher arrasta como sempre a sua carga preciosa de trapos, linhas, caixas, plásticos e um velho carrinho de supermercado. A mulher cheira muito mal. A mulher fala sózinha e para os lados e para a frente e ri muito e cala-se e espera atentamente que os seus interlocutores invisiveis lhe respondam para depois ela polidamente lhes retorquir. A mulher senta-se no chão na esquina do Cais do Sodré sob o relógio da hora legal a fazer horas de iniciar o seu bordado e todos os dias costura até o dia comer a luz e os candeeiros vaidosos dizerem boa-noite. Depois a mulher desaparece. Dizem que vai à procura do seu cão e do seu gato.

 

sábado, 3 de agosto de 2013

A SENHORA

Talvez esta noite vá ao baile mas não hei-de dançar, hei-de ficar sentada a punir-me ao ver o prazer dos outros aconchegados ao ritmo dos sons dos corpos que se tatuam em suor e vontades e cochicham ao ouvido mentiras sobre decências quando por dentro rasgam a roupa pedindo amor sem tréguas. Hei-de ir ao baile decerto, hei-de ir e sentar-me, traçar as pernas num nó apertado que me consuma o coração em liquido até o beber como o champagne que farei brinde ao par da noite, depois de me ferir num pé com o meu próprio salto. Hei-de ir ao baile e direi não a quem me fizer sinal, estarei imóvel no meu pedestal. Afinal eu sou só o retrato que penduram em noites de orquestra.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

ALIANÇAS

Juntou a aliança dele à dela, a dele demasiado grande para abraçar o dedo fino e se ajeitar unida à dela apertada à carne e aos anos, tantos quantos tinha estado ali posta por ele. Ela lembrava-se tão bem, era um dia de Outono mas fazía muito frio e nevoeiro a adivinhar natais que pediam lareiras por isso mantinham-se abraçados para puxar o calor e dizer aos outros que precisavam de se aquecer. Ela tinha o nariz vermelho e ele troçava beijando-a ternamente na testa e nos olhos, ela ria. Ficaram sérios quando trocaram as alianças, promessas silenciosas, nada de votos solenes perante figuras ou outras pessoas. Mantiveram-se juntos até à partida dele. Ela olhou o desconsolo do dedo e o aro tão ermo ao pé da sua aliança. Tirou as duas e enterrou-as na cova dele. Já não hei-de demorar, disse.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

NÃO É SÓ ÁGUA

Hoje deixo-te Rio, mas só hoje que depois volto e junto as minhas lágrimas de saudade e riso ao teu caudal de tamanho imaginado como se fosses mar. Mas não és, sabes que não és e é por isso que hoje preciso de ver o mar, um mar à séria com ondas altas e que me salguem a boca quando lamber os lábios dos salpicos e daquele halo que arranha a pele, arde nos olhos de tanto focarmos o horizonte à espera de vermos o braço do afogado a pique, a agitar-se, feliz e lacrimoso também tal como eu, saudoso ele de ver terra de novo.

domingo, 14 de julho de 2013

DA COR DAS ESTÓRIAS

Se aquela casa verde fosse minha pintava-a de branco com barras azuis. Depois havería de me pôr à janela a ver passar quem passasse à espera que me perguntassem pela casa verde. Havería de lhes contar a estória dessa tal casa que havía sido engolida pelo mar e que voltara de novo, lavada, muito branca, mas com restos de água raiados como uma saia de roda toda à volta em azul, para que nunca se esquecesse da sua aventura. Não haveríam de acreditar em mim. Mas eu diría que era por isso que estava à janela. Que eu era uma sereia que tinha ficado presa dentro da casa e que agora não podía regressar. Eu sei que também não íam acreditar. Mas sei que íam sorrir. É por isso que a casa verde deve ser azul, não achas?  

sábado, 13 de julho de 2013

DIÁRIO

Janela aberta, silêncios velhos que se antecipam na memória das manhãs chilreadas quando as folhas do caderno se engelham ao peso do punho que amacia sereno o contar de tantos dias passados, mais um dia, é só mais um, que diferença faz no relevo dos já contados se a recordação se faz presente e ler esta história é saber dela menina ou mulher ou avó e não tem fim, porque nele se saboreia amor até nas despedidas e muito nas aventuras, imenso no abraço apertado, tanto nas mãos que pegou, único quando o escreveu.
 
 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

DINASTIAS

Esquecer a dor de perder o bem-querer nunca foi pensamento para aliviar o peso que me dobra o tempo maior que já passei sem vós, antes suportá-lo e vergar os joelhos e conhecê-lo sorrindo por antes já vos ter tido próximo e amado, amada e amparada ao vosso peito que nunca ter enfrentado dor alguma, riso e pranto eis-me feita do que me deram e desse tanto, duas metades também eu hei-de oferecer.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

E AINDA

Se não se travam as águas nem a luz nem a força do pensar porque haveríam as estórias de se arretarem na fornada a saír, ainda que queimadas de tanto se empatarem no remoer de se contarem a si mesmo para entreter as noites e os dias em que não consegue passar para o outro lado, ali, veja-se o outro lado tão perto, logo à mão do poder agarrar quando os olhos imaginários se fecham e abrem e tudo se resume a dizer era uma vez, ou duas ou um milhão, que diferença faz, se o importante é não acabar, haver sempre outra página a virar?