Às vezes deixava que o azul-china lhe tingisse o indicador e o polegar: ficava a admirar-se naquele borrão que alastrava lentamente permitindo uma maior visibibilidade das linhas das impressões dos dedos como um mapa topográfico impresso na pele. Conseguía ler montes e vales, depressões, uma pequena falha na crosta provocada por um golpe feito pela lâmina afiada de uma folha de papel... ardía, ardía muito como se a dor fosse insuportável e de dentro do peito, da barriga. Sabía que ardía porque o papel tem composto de cal e é isso que faz arder. Mas que interessa a cal e o composto se a folha só serve para ser sacrificada às palavras, cortar dedos descuidados e gulosos e ainda aparar os borrões tingidos na polpa do indicador?
Às vezes recheava folhas e folhas e o afilhado lía, com muitas paragens, como se faltassem bocados, palavras de união entre o sentir e o pensar, o querer e o agir. Ela arrancava-lhe as páginas da mão à bruta e desfiava os textos sem paragem, uma melodia completa sem o embaraço da paragem para respirar. Suspirava no fim, cansada, feliz.
E o afilhado retomava a leitura e achava-lhe fendas, depressões como um terreno acidentado em que ora se encontra pedra ora se nada no lago.
É que as mãos não eram rápidas o suficiente para apararem tanto pensamento.
3 comentários:
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ás vezes,
as vezes buscam
imaginários espirais
ás vezes,
as vezes encontram
suspiros e ciciados ais
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xi
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Adorei, que textos fantásticos tanto num blog como neste, quem assim escreve merece estar na blogsfera...
Que texto fabuloso miuda... uma perola by you.
Beijo com Cal
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