Trouxe o bolo: barrocamente decorado no pormenor desenhado à seringa, o creme firme e níveo da nata muito batida a contrastar com o negro do chocolate perfumado a café. Sabía do gosto dele. Sabía que ele gostava de surpresas e o bolo trabalhado na tarde inteira merecía todos os gestos que lhe dedicara. Há um ano que estavam juntos. Não era bem juntos, que ele nem sempre vinha mas o amor que se tinham justificava essa partilha que ela acabara por aceitar no papel da outra. Da mesa posta só tinha olhos para a sua obra. Salivou pelo perfume, pelo adivinhar da noite a chegar, dos abraços e dos beijos com gosto do chocolate, da energia do café a despertar novos sentidos no toque. Tocou o telefone, mensagem, impossível ir. Leu uma e outra vez. Sentou-se à mesa, olhou o bolo e apeteceu-lhe destruí-lo de arremesso. Mas a tristeza tão grande quanto o amor esperado imobilizou-a. Passou o polegar no creme e chupou o dedo longamente, o olhar perdido nas lágrimas amargas que tentava engolir. Repetiu o gesto, o amontoado do chantilly ficou-lhe nos cantos da boca, da decoração nada restava. Atacou o miolo escuro, a mão em garra, encheu-se até não conseguir mastigar, a respiração atafulhada pelo excesso e quando conseguiu engolir aquela massa, levantou-se, apagou as luzes e deitou-se vestida sobre a cama feita. No dia seguinte arrumaría tudo, o resto do bolo para o lixo que o creme decerto havería de ter azedado.
domingo, 6 de janeiro de 2008
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3 comentários:
"...Mas a tristeza tão grande quanto o amor esperado imobilizou-a... o olhar perdido nas lágrimas amargas que tentava engolir. "
Quantas vezes nos sentimos assim...quantas vezes engolimos o choro que nos aperta a garganta. E ai nada nos resta do que dormir, o sono reparador .
Deixo-te a primeira pérola incandescente de luz, neste novo ano, para que esteja sempre presente em tua vida.
Com carinho,
Eärwen
Perturbas-me rapariga...
URGENTE: podes dar-me o contacto dela para ir buscar o que sobra do bolo antes que ela o deite fora ?
nhamm, nhamm
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