Atirou com os sapatos de salto 7/5, bateu a porta com força, fechou a semana útil. Deu som ao hifi, ligou o plasma, saltitou num pé e noutro, gritou o refrão sacudindo o cabelo, meneou as ancas frente ao espelho, agitou a água na banheira e mergulhou nas bolhas da respiração. O telemóvel tocou impiedoso. Susteve o ar e deixou o baque do coração disparar até o telefone emudecer. Enxugou-se, untou-se de creme de bébé e vestiu o pijama infantil de ursos de peluche e olhos de vidro. Eliminou a mensagem sem a ouvir. Tirou o CD e silenciou o som da novela. Serviu-se de um copo de vinho branco e mordiscou figos secos, rolando o granulado entre a lingua e o céu da boca. Lembrou-se de números, prazos, projectos e do tailleur cinzento para ir buscar à lavandaria. Suspirou, enroscou-se no sofá e afagou os seios. Depois o ventre, entre coxas, os olhos abertos para as personagens da novela infindindável. Beijavam-se infindavelmente sem esborratar o baton garrido. Fechou os olhos. Tomou o vinho de uma assentada. Arrepiou-se e puxou a manta de viagem para os pés, adormecendo. Sonhou, acordou gelada, desligou a imagem e recolheu-se. Não encontrou o sono, rolou de um lado para o outro, os ursinhos amachucados na insónia quadriculada do pijama, cama fria ali, morna aqui. Regressou ao sofá e ligou a televisão. Embalada pelas imagens das televendas deixou a madrugada chegar e adormeceu a sonhar com um beijo vermelho que nunca se esborratava.
domingo, 9 de dezembro de 2007
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3 comentários:
Sem te esborratar a boca sonho com o beijo vermelho.
Quantas vezes isso não acontece...
Gostei muito deste escrito!
Pérolas incandescentes de sonhos.
Eärwen
Por vezes não se encontra o sono...
E o pior é que também não se encontra o sonho...
Sonho desejado e não realizado.
Escreves lindamente.
Gosto da maneira com descreves as situações. Sinto-me transportada até elas.
bjgrande e bom domingo
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