Abriu a porta, um olho semi-cerrado por detrás das lentes grossas e verdes. É para ver o quarto, não é? É. Virou-lhe as costas e no apoio da bengala escura andou no ressalto como um pneu furado, erguendo-se e diminuíndo, crescendo e minguando, vagarosa, ela atrás a passinhos miúdos no rasto calcado do apoio na passadeira gasta e descolorida. O quarto desvendou-se numa obscuridade e cheiro de perfume velho, é aqui, depois arejo tudo para a menina e acendeu a luz. No toucador uma procissão de fotografias, frascos vazios, bijuteraria brilhando nos vidros coloridos chamas de outros tempos. Acercou-se dos porta-retratos, quem é, se posso perguntar. Quem é?! Sou eu, quem houvera de ser, e era loura, os olhos claros, o pescoço alto de sinal negro na curva que dividía os seios guardados na vertigem do colar de pérolas que se perdía por ventre abaixo, um sorriso picante retocado na mão do fotógrafo, muito vermelho, muito ordinário. E outra, pin-up de ligas, pernas até não acabar mais, mãos sobre os joelhos, a chinela marota de pompom a namorar o torso pendurado adiante. Sentou-se atirada, um ah de alivio ao membro deformado, a cama afundou-se sob o traseiro flácido, alargado, nem sempre fui assim menina, agora é o reumático, as dores, excessos de outros tempos, os dias em que antecipo a chuva e nem me mexo, devía fazer tratamento, passaría melhor, conselho. Já fiz. Fiz todos os tratamentos que devería ter feito quando tinha a sua idade, basta ver as fotografias. Por isso agradeço esta bengala e agitava-a no ar imitando as marjorettes. Aposto que a menina nunca há-de conseguir usar bengala...
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
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3 comentários:
Os pormenores são deliciosos.
Beijo
Por este andar...beijo fantasma.
*
adorei
,
será o tigre de "bengala" ???
,
xi
*
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