Naquela tarde como de todas as vezes, sentou-se de frente para o mar e de jornal aberto. Sacudiu as páginas, notou os dedos manchados de tinta da impressão, as gordas destacando-se no colorido do negro uniforme, os anúncios. Chegou o café a confortar-lhe o dia marasmado na rotina sem sobressalto, dissolveu o açúcar como dissolvera qualquer questão da sua vida, sempre à volta até desaparecer. Voltou à leitura, entornou sangue de vítimas na estrada e silenciou os gritos dos que fugíam da guerra, contou trocos no bolso de mais uma subida de preços e fez-se juíz de sentença igual em processos cor de rosa. Constatou num conformismo aquietado que tudo estava na mesma. Foi quando o mar se alteou e ele descuidado dentro de si não se apercebeu da vaga que estalou junto a seus pés. Notou o jornal humedecido, salgado, choroso. E a partir dessa tarde como de todas as vezes, passou a sentar-se de frente para o mar, o jornal aberto. Com um rasgão ao meio para poder ver a vida a viver.
sexta-feira, 23 de maio de 2008
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