Para não doer despía-se. Ficava nua à mercê de olhos, dentes e perguntas. Do falo não ligava, ignorava como parte do acordo que tinha consigo. Às vezes ficava a mirar-se guardada, muito bem dobrada respeitando vincos, pregas, pequenas costuras, fechos. Enquanto se dava abría a gaveta e sorría por se ver tão bem arrumada, limpa, perfumada de todas as coisas que ainda tinha da meninice e se mantinham na frescura do resguardo da alma. Do resto não ligava, podía apodrecer ali, maltratada e humilhada na arma viril, comida no fisico pela idade e pelo uso sem tino, espancada no apontar do dedo, nos adjectivos raivosos que lhe bolsavam no rosto sem a verem. Ela também não os vía. Olhava a sua alma e sorría. Por isso despía-se sempre antes da roupa.
quarta-feira, 9 de abril de 2008
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1 comentário:
Lindíssimo!!!
"Olhava a sua alma e sorria. Por isso despia-se sempre antes da roupa."
Despir a alma para si próprio, como refúgio, como anestesia...encontrar o encanto no íntimo. Quantas mulheres não o fazem por esse mundo fora!...
Consegues dizer TANTO com tão poucas palavras, e isso é ARTE.
beijos
marisa
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