DEC.LEI Nº344/97

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Escrever é poder amar-te



domingo, 18 de agosto de 2013

A CORTINA

Por vezes quando a noite lhe pesava nas horas e ele tardava nos minutos da espera, ela achava que a varanda o faría chegar mais rápido. Jurava sempre para si que sería a última vez que o faría, não voltaría a esperá-lo a pé, de robe, cabelos ao vento. Mas uma qualquer força que ela não segurava levava-lhe os pés descalços até à varanda e já friorenta, procurava os faróis do carro dele que a cegavam, para depois às pressas, correr e meter-se na cama a fingir que dormía descansadamente. Muitas vezes aguardava até que a madrugada despontava. Muitas vezes enrolava-se nos cortinados a passar o tempo, a cobrir-se do frio, a esconder as lágrimas, a fingir-se outra que nunca sería.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

CONTADORA DE ESTÓRIAS

Que queres que te diga, não sou sereia ou esposa de sultão, sou apenas contadora de invenções do que me vem aos dedos, do que me solta na ponta da lingua enquanto a rapidez da memória me permite sussurrar em pingos de azul-china o desenho do verbo. Ele há dias em que as estóras são tantas que os gritos me abafam as paredes e as paredes me derrubam o querer e eu sem querer, ao invés de as escrever apenas me limito a escutar.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

7 LINHAS

Espera por mim esta noite e não durmas já, dá-me a tua mão, as tuas costas, as tuas pernas, deixa-me embrulhar no teu corpo e aquecer os meus momentos até os olhos, preguiçosos do dia claro atingirem o que lava o quarto pelas paredes lentas, descer para cerrar o escuro guardado como uma caixa de segredos que recolhe o tesouro e juntos, sonharmos o mesmo sonho.

domingo, 11 de agosto de 2013

A MULHER SEM CÃO E SEM GATO

Há muito tempo contei aqui a história da mulher que tinha um cão e um gato e andava pelas ruas de Lisboa. A mulher ainda anda pelas ruas de Lisboa mas já não tem o cão e o gato também não. A mulher arrasta como sempre a sua carga preciosa de trapos, linhas, caixas, plásticos e um velho carrinho de supermercado. A mulher cheira muito mal. A mulher fala sózinha e para os lados e para a frente e ri muito e cala-se e espera atentamente que os seus interlocutores invisiveis lhe respondam para depois ela polidamente lhes retorquir. A mulher senta-se no chão na esquina do Cais do Sodré sob o relógio da hora legal a fazer horas de iniciar o seu bordado e todos os dias costura até o dia comer a luz e os candeeiros vaidosos dizerem boa-noite. Depois a mulher desaparece. Dizem que vai à procura do seu cão e do seu gato.

 

sábado, 3 de agosto de 2013

A SENHORA

Talvez esta noite vá ao baile mas não hei-de dançar, hei-de ficar sentada a punir-me ao ver o prazer dos outros aconchegados ao ritmo dos sons dos corpos que se tatuam em suor e vontades e cochicham ao ouvido mentiras sobre decências quando por dentro rasgam a roupa pedindo amor sem tréguas. Hei-de ir ao baile decerto, hei-de ir e sentar-me, traçar as pernas num nó apertado que me consuma o coração em liquido até o beber como o champagne que farei brinde ao par da noite, depois de me ferir num pé com o meu próprio salto. Hei-de ir ao baile e direi não a quem me fizer sinal, estarei imóvel no meu pedestal. Afinal eu sou só o retrato que penduram em noites de orquestra.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

ALIANÇAS

Juntou a aliança dele à dela, a dele demasiado grande para abraçar o dedo fino e se ajeitar unida à dela apertada à carne e aos anos, tantos quantos tinha estado ali posta por ele. Ela lembrava-se tão bem, era um dia de Outono mas fazía muito frio e nevoeiro a adivinhar natais que pediam lareiras por isso mantinham-se abraçados para puxar o calor e dizer aos outros que precisavam de se aquecer. Ela tinha o nariz vermelho e ele troçava beijando-a ternamente na testa e nos olhos, ela ria. Ficaram sérios quando trocaram as alianças, promessas silenciosas, nada de votos solenes perante figuras ou outras pessoas. Mantiveram-se juntos até à partida dele. Ela olhou o desconsolo do dedo e o aro tão ermo ao pé da sua aliança. Tirou as duas e enterrou-as na cova dele. Já não hei-de demorar, disse.